quarta-feira, 29 de novembro de 2017

QUARTO PODER



Quem controla a mídia no Brasil?
A mídia independente e plural é condição indispensável para um sistema político democrático. Afinal, se os conteúdos que circulam pelos meios de comunicação influenciam a formação da opinião pública, o que esperar se não há diversidade de informações e de pontos de vista?
A partir dessa premissa, o MOM-Brasil tem o objetivo de mapear os veículos de maior audiência – que têm maior potencial de influenciar a opinião pública – e os grupos que os controlam. Busca também produzir indicadores do risco ao pluralismo e à independência da mídia. Entre eles estão a concentração da audiência, a concentração da propriedade e a existência ou não de controles externos. Outro indicador é a transparência: o risco ao pluralismo se torna ainda maior quando não fica claro para a audiência – e mesmo para os jornalistas - quem tem controle sobre cada veículo, que outros negócios possuem e que interesses podem guiar a produção das notícias.
No Brasil, o resultado indica alerta vermelho. Nosso sistema de mídia mostra alta concentração de audiência e de propriedade, alta concentração geográfica, falta de transparência, além de interferências econômicas, políticas e religiosas. Foram analisados 50 veículos em quatro segmentos (TV, rádio, mídia impressa e online), que pertencem a 26 grupos de comunicação. Os resultados estão neste site, na forma de um  banco de dados com informações sobre os veículos, as empresas, seus proprietários e dos indicadores e temas em destaque.

A hegemonia da concentração sem limites

É impossível ter uma democracia efetiva sem pluralidade e diversidade de vozes em circulação. Infelizmente, os indicadores de riscos à pluralidade na mídia no Brasil apontam para um cenário preocupante: a elevadíssima concentração de audiência e a propriedade cruzada de meios de comunicação são os temas mais destacados dos riscos ao pluralismo midiático no país.
Apesar de toda a diversidade regional existente no país e das dimensões continentais de seu território, os quatro principais grupos de mídia concentram uma audiência nacional exorbitante – que ultrapassa 70% no caso da televisão aberta, meio de comunicação mais consumido no país.
As estratégias e a adaptação de alguns dos grupos brasileiros ao cenário de múltiplos dispositivos de comunicação, com a chamada convergência tecnológica, permitiu que ampliassem sua fatia de mercado. Muitos desses grupos estão reorganizando suas estruturas de produção de informações, reduzindo a quantidade de profissionais contratados e ampliando as responsabilidades de seus jornalistas para atuarem em múltiplos meios.
A propriedade cruzada de meios de comunicação de diferentes tipos como televisão, impresso, rádio e online é uma dimensão central da concentração na mídia brasileira.
Esse cruzamento ocorre, por exemplo, com o Grupo Record, que possui canais importantes na TV aberta (RecordTV e RecordNews), veículos na mídia impressa (jornal Correio do Povo) e na internet (portal R7), além de ser do mesmo controlador da Igreja Universal do Reino de Deus, que possui a Rede Aleluia de rádio e produz o jornal gratuito de maior tiragem no Brasil, a Folha Universal. Outro exemplo seria o grupo regional RBS, que conta com uma afiliada da Globo na TV aberta, o portal de notícias ClicRBS, dois jornais entre os de maior circulação - Zero Hora e Diário Gaúcho - além de outros títulos impressos e duas importantes redes de rádio, a nacional Gaúcha Sat e a regional Atlântida.
Mas quem ganha maior destaque na propriedade cruzada é o grupo de mídia dominante no país: o Grupo Globo.

O domínio da Globo

O Grupo Globo possui veículos ou redes centrais a todos os mercados de mídia. Na TV aberta, comanda a rede Globo, líder disparada de audiência; na TV paga, é proprietária da programadora Globosat, que produz conteúdos que incluem o canal de notícias 24 horas GloboNews e mais de trinta outros – além de parcerias internacionais com importantes estúdios; na Internet, possui o maior portal de notícias brasileiro, Globo.com; na rádio, tem duas de suas redes figurando entre as dez principais do país: Globo AM/FM e CBN; na mídia impressa, possui jornais de grande relevância como O Globo, Extra, Valor Econômico e Expresso da Informação e revistas como a Época, Crescer, Galileu, Marie Claire e tantas outras. Possui, ainda, uma das principais agências de notícias do país, a Agência O Globo (AOG). O Grupo Globo atua, ainda, em mercados como o fonográfico, cinematográfico e editorial.
Com o domínio de tantos mercados, o grupo alcança sozinho uma audiência maior do que as audiências somadas do 2º, 3º, 4º e 5º maiores grupos brasileiros. Esse fato é tão significativo que o grupo Globo anunciou em campanha recente que atinge 100 milhões de brasileiros todos os dias, cerca de metade da população nacional. O que para o grupo é propaganda de seu alcance, para a pluralidade na mídia pode ser visto como um cenário muito preocupante.
Ao comparar nossos indicadores de riscos à pluralidade na mídia com os de outros dez países analisados pelo Media Ownership Monitor, o Brasil apresenta o cenário mais grave de riscos ao pluralismo. A ausência de um marco legal eficiente que combata a monopolização e promova a pluralidade de vozes na comunicação brasileira é uma lacuna que traz graves consequências à circulação de ideias, à diversidade e à democracia.

Participação religiosa na mídia brasileira

A presença da religião no sistema brasileiro de mídia é crescente desde os anos 1980, principalmente na radiodifusão. Dos 50 veículos pesquisados, 9 são de propriedade de lideranças religiosas – todas cristãs, dominantes no Brasil. O Grupo Record, formado hoje pela RecordTV, a RecordNews, o Portal R7 e o jornal Correio do Povo, entre outros veículos não listados na pesquisa, pertence desde 1989 ao bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Os bispos da IURD possuem também, desde 1995, emissoras de rádio, como as que formam a Rede Aleluia, também incluída na pesquisa pelo seu alcance e audiência.
Outros veículos evangélicos listados são a Rede Gospel de televisão, nas mãos dos bispos Estevam e Sônia Hernandes, líderes da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, desde 1996, e a Rede Novo Tempo de rádio, lançada pela Igreja Adventista do Sétimo Dia em 1989. Já a Igreja Católica aparece na pesquisa associada a duas redes, a Rede Católica de Rádio (RCR), fundada em 1997 a partir da união de sete outras redes de rádio já existentes pertencentes a instituições e leigos católicos, e a Rede Vida, concessão dada em 1990 mas que começou a transmitir em 1995, sob gestão do INBRAC – Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã.
A situação se repete entre os veículos de menor audiência e inclui também jornais de circulação gratuita que não entraram na pesquisa, como o semanário Folha Universal, da IURD, que tem tiragem de 1,8 milhão de exemplares, muito acima dos jornais diários de grande circulação, como a Folha de S. Paulo (cerca de 300 mil exemplares/dia) e das revistas semanais, como a Veja (cerca de 1,1 milhão de exemplares). Além disso, como mostrou Mônica Mourão em reportagem para o Intervozes, em outubro de 2016, diversos líderes religiosos donos de veículos de radiodifusão eram também políticos com mandato legislativo, situação que contraria a legislação brasileira.
Na ocasião, o Ministério Público de São Paulo, a partir de uma representação assinada por entidades da sociedade civil, incluindo o Intervozes, havia pedido o cancelamento das outorgas de radiodifusão dadas a pessoas jurídicas que tivessem políticos em exercício do mandato entre seus sócios. Dos 32 deputados federais listados pelo Ministério Público, nove faziam parte da bancada evangélica, o que correspondia a quase 30% do total. Desses, quatro faziam parte também da bancada ruralista. Um deles, Beto Mansur (PRB-SP), foi condenado por exploração de trabalho escravo.
Dos 9 veículos de propriedade de lideranças religiosas listados na pesquisa, 5 direcionam todo o seu conteúdo para a defesa dos valores de sua religiosidade específica: as redes de rádio Aleluia, Novo Tempo e RCR e as emissoras de TV da Rede Gospel e da Rede Vida. Isso não significa que a grade de horários seja formada exclusivamente por programas definidos formalmente como religiosos, como transmissão de missas, cultos e outras cerimônias, mas que há uma variedade de programas, como jornalismo, entretenimento e entrevistas, produzidos a partir de uma visão de mundo e de valores que esses grupos definem como cristãos. Os outros veículos de propriedade de Edir Macedo, a RecordTV, a RecordNews, o Portal R7 e o jornal Correio do Povo, são veículos comerciais que têm uma programação que concorre com outros veículos comerciais de mídia, como as redes de TV aberta Globo, SBT e Band, as redes de TV all news GloboNews e BandNews, os portais Globo.com e Uol.com.br e o jornal Zero Hora.
Classificar um veículo como comercial não significa dizer que a religiosidade não esteja presente. Diversos veículos que não são definidos como religiosos apresentam conteúdo de denominações religiosas em suas páginas ou grades de programação. Das seis redes comerciais de TV aberta listadas, a única exceção é o SBT. Estudo realizado pela Ancine – Agência Nacional de Cinema, em 2016, mostra que a programação religiosa é o principal gênero transmitido pelas redes de TV aberta do país, ocupando 21% do total de programação. A campeã é a Rede TV!, que teve 43,41% do seu tempo destinado a programas religiosos. Em seguida, vieram a RecordTV, com 21,75%, a Band, com 16,4%, a TV Brasil, com 1,66%, e a Globo, com 0,58%.
Os programas veiculados pela Rede TV!, pela RecordTV e pela Band estão sendo investigados pelo Ministério Público como a prática ilegal de arrendamento, que seria a venda de horários de programação pelas emissoras de TV e de rádio para terceiros, quando o concessionário deveria ser responsável pela programação (de produção própria ou de produção independente). O aluguel de horário é uma das principais fontes de receitas das emissoras, algumas delas que passam por crise financeira, como informa o jornalista especializado em TV Flávio Ricco em relação à Band.

Brasil: marco legal antigo, permissivo e ineficaz

A legislação que deveria regular a concentração da mídia no Brasil é antiga, fragmentada e estabelece diferentes determinações para cada segmento do mercado. Nem mesmo as poucas provisões legais existentes são aplicadas de fato: a propriedade da mídia não é monitorada constantemente pelas autoridades competentes, que se limitam a receber e registrar as informações enviadas pelas próprias empresas.
Não há legislação para evitar a propriedade cruzada, com exceção de um segmento, o de TV por assinatura. Isso significa que vários dos 26 grupos econômicos pesquisados no Brasil possuem emissoras de rádio, televisão aberta, jornais e portais na internet. Na verdade, o sistema de meios de comunicação de massa do país se fundamenta na propriedade cruzada, o que aumenta ainda mais a concentração da propriedade dos meios nas mãos de um pequeno grupo de empresas ou indivíduos. Isso acontece tanto a nível nacional quanto nas esferas estaduais e locais.
A única lei que coloca limites à propriedade cruzada é a que regula o mercado de televisão por assinatura (Lei 12.485 / 2011). De acordo com esta lei, empresas do setor audiovisual e de radiodifusão não podem controlar uma parcela de mais de 50% em empresas de telecomunicações. No sentido inverso, operadoras de telecomunicações não podem deter mais de 30% do capital vontante de empresas de produção de conteúdo e de radiodifusão.
Devido à falta de limites à propriedade cruzada de empresas de rádio, televisão, mídia impressa e portais on-line o Grupo Globo, por exemplo, desempenha um papel central nos mercados de TV aberta, TV a cabo, internet e rádio. A Rede Globo é a líder do mercado de TV aberta; o conteúdo gerado por sua subsidiária GloboSat (incluindo GloboNews e dezenas de outros canais) é destaque no segmento de TV a cabo; o Globo.com é o maior portal brasileiro de notícias on-line; e duas de suas redes de rádio, Globo AM / FM e CBN, estão entre as dez maiores em termos de público.
O mesmo acontece com outros grupos, como Record e RBS, respectivamente: o grupo Record opera a RecordTV e a RecordNews na TV aberta, e seu jornal Correio do Povo e o portal R7 estão entre os maiores do país. A RBS, por sua vez, possui uma emissora de TV aberta no Rio Grande do Sul; seus jornais Zero Hora e Diário Gaúcho estão entre os de maior circulação no país; administra duas redes de rádio (Gaúcha Sat /nacional e Atlântida/regional), o portal ClicRBS e outros investimentos em mídia digital e publicações impressas.
Nem mesmo a Constituição Federal, cujo artigo 220, parágrafo 5, determina que "a mídia não pode, direta ou indiretamente, estar sujeita a monopólio ou oligopólios" é aplicada, como demonstra a concentração da propriedade dos principais meios de comunicação do país nas mãos de um alguns grupos.

Fonte: Portal Vermelho
Post: LUIZ GONZAGA OLIVEIRA DE ALMEIDA

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